Cinema em português
Crítica e análise.
Dias Perfeitos (2023, Win Wenders)
Via Norte (Paulo Carneiro, 2024)
Existem dois tipos de crítica, a crítica que serve para promover um filme - não menos meritório - e a crítica que serve para complementar um filme com uma frase, um pensamento, etc. Seja pela estética do filme "Via Norte", seja pela originalidade, gosto de filmes que estejam próximos da comunidade e isso acontece de forma genuína neste filme. Um documentário sobre pessoas que estão longe dos lugares que as viram nascer, contudo, um documentário, também ele sujeito ao fatalismo dos intervenientes perceberem a presença da camara de filmar, o que o torna subtil e suficientemente entusiasmante com estórias de amor por carros, e do romance dos emigrantes portugueses, neste filme de viagem, de pouca estrada, mas com paragens categoricamente encenadas.
O realizador Paulo Carneiro sem medos ousou fazer algo novo, mesmo não o sendo, por isso identitário sem receio que se pareça com outro filme. O despretensiosíssimo do filme leva-o no melhor caminho possível, o seu caminho. Para isso é preciso debate-lo: perceber todas as ambivalências, dispensando vanglorias ao ego que o realizador se sujeitava caso o filme fosse atrás de prémios.
Não Sou Nada
Não sou nada, um filme de Edgar Pêra, produção Bando à parte , baseado na obra de Fernando Pessoa.
Não vamos esperar mundos e fundos de um filme português, afinal não se trata de um filme espanhol baseado em westerns americanos, é sim baseado na obra de Fernando Pessoa. Realisticamente falando, Empírico se o leitor quiser, são filmes com pouca relevância, basta olhar para estatísticas ou querendo comparar até com um único estádio de futebol.
ViverMAlviver
Papel preponderante das distribuidoras não apenas porque "Mal Viver" foi destingido no Berlinale (festival de cinema de Berlim) com o urso de prata, mas também porque se trata de um novo conceito que garante sucesso, mas também autenticidade.
No meu interesse sempre pelo cinema, ousaria classifica-los como derradeiros na obra do calejado realizador português João Canijo, isto a olhar para outros títulos da sua filmografia como “Ganhar a Vida” e “Sangue do Meu Sangue”. Decerto que ambos os filmes são lúcidos, cientes das barreiras inevitáveis nas relações humanas e profissionais, filmes conformados com a mediocridade neles existente. Tal como eu preciso de me reinventar para fazer os meus filmes (as minhas pinturas, as minhas peças, o meu design) o cinema não é excepção, também se reinventa, é isso que também se procura na alegoria do cinema.
No meu olhar focado na arte, a distinção dos filmes advém, em parte, do seu compromisso e da sua técnica. Tanto a imagem como o som estão exímios, dando-lhes uma beleza implícita na imagem que compõe a fotografia, como na exploração do universo sonoro onde os filmes habitam. Na fotografia encontro uma latência estética imprescindível à composição que acontece num hotel, onde de um lado estão os hospedes ("Viver Mal") e do outro lado o patronato ("Mal Viver"). É neste universo que os filmes existem, e que a técnica contribui para que não hajam erros, são filmes profissionais, que é a totalidade de um bom filme.
Com esta ideia transumante de duas câmaras de filmar e as suas duas perspectivas, a diretora Leonor Teles desencadeia quase sem querer dois filmes que aparentemente seria apenas um, levando o cinema a reinventar-se naturalmente. Dois lados da mesma moeda que se expõem sobre a mesa das clarividências onde no discurso, muitas vezes cansado e decadente, reina uma espécie de ode à falência de um socialismo tardio, mas ainda assim imperativo, totalitário e muitas vezes imprudente. É preciso conhecer as personagens para encontrar nelas um tal de espelho social onde reflete o melhor, mas também o pior, das sociedades (sobretudo das pessoas), expondo dois lados nas relações humanas.
Estes filmes são claramente o escape possível que o cinema, de hoje e português, permite ao espectador conhecer a verdade sem que para isso o comprometa. “Viver Mal” e “Mal Viver” são o sinal forte que o cinema português tem para o seu público
MANK (2020)
MANK: Este filme agrada a crítica sobretudo a crítica especializada,
mas por outro lado o filme está feito para influenciar o público comum a gostar, oferece de
bandeja um lugar comum a uma elite na qual fazemos parte, onde num instante
todos se tornam intelectuais numa falsa incursão ideológica. Bem
diferente este filme daquilo a que estamos habituados a assistir sobretudo na
forma em que o filme se apresenta. MANK é um filme comercial, mas sem uma
estrutura de narrativa clássica conferindo semelhanças com o filme de autor, aliás o filme apresenta-se a preto e branco. A estranheza inicial da cor e da estrutura não impede o comum espetador de assistir, de comer, degustar. O filme de arte sobrepõe-se. Torna-se facilmente um filme no-sense,
contranatura para olhos comuns, mas nada que interfira na continuidade
subjacente ao filme e aos belíssimos diálogos. Nenhuma lei da física é derrubada. Há de
facto algo inovador no argumento do filme, nobre, para lá da imaginação, que convida o
espetador a degustar.
Mank trata um cliché de muitos apaixonados
pela sétima arte: um filme dentro de um filme. Um filme que fala sobre outro filme realizado na década de quarenta que marcou a
história do cinema e desde sempre envolto em mistérios, trata-se de Citizen Kane. Um filme que nunca foi terminado e que cuja a película esteve desaparecida, sendo
encontrada anos mais tarde em Buenos Aires. Houve diversas controvérsias, sobretudo na construção do argumento, entre o realizador Orson Welles e o co-argumentista Mank, diminutivo de Mankievcz e que o filme filme pretende clarificar. Mankievcz reclama autoria exclusiva do argumento e acusa Orson Welles de distanciamento e frieza não contribuindo para o exito do argumento em si. Mank fala sobre beleza, beleza do argumento, do papel central na produção cinematográfica. O romance não se baseia na tradicional aura de Romeo e Julieta, nem no que o cinema americano tem
construído com o realismo romântico fechado. O romance no filme é o mutuo
respeito nalguns casos, a excentricidade e o conservadorismo em que o filme de
concretiza, sobretudo a cumplicidade entre argumentista e a atriz principal.
Mank fala de Mankievcz como o legitimo
génio por de trás de Citizen Kane (1941). Um verdadeiro
desbloqueador de conversas, um anticongelante em forma de pessoa, um autêntico
criador das mais diversas dinâmicas de produção, acarreta empatia e confere
continuidade ao filme. Uma coisa
parece certa em relação a este filme produzido pela Netflix: MANK fala sobre outro filme, apenas e só. A questão é que
Citizen Kane não é um filme qualquer e um filme já não vive sem o outro. Assistir a Mank sem ver Citizen Kane é como assistir a uma trilogia e
começar pelo último e ainda assim fazer sentido, não se põe em causa a linearidade. Os dois filmes complementam-se, são peças chave num puzzle ainda por montar.
IG02.2021
Soul (2020)
Lei possível da
arte: ai da realidade se não fosse a realidade aumentada.
O filme Soul para já está disponível no canal DISNEY+. Este filme parece agradar o público no geral, mas sobretudo
a crítica que insiste em sobrevalorizar o filme como que a animação existisse
na vida das pessoas com um click. Está assim ao alcance de um simples click e me parece mui bem a capacidade de nos deixarmos surpreender pelos desenhos animados. Enquanto cineasta do mundo os desenhos animados SOUL rompem com tudo
o estabelecido nos filmes de animação, ou quase tudo: não deixo de separar SOUL
do que já foi feito noutro tempo pela mão da Disney e à semelhança de Soul pela
Disney PIXAR. Penso sobretudo em dois filmes específicos: Branca de Neve (1936)
de Walt Disney que através da televisão entrou na maioria das casas fazendo com
que ainda hoje lhe conhecemos o seu imaginário original numa altura em que o
cinema era ainda mudo e a preto e branco, surgia não só desenhos animados mas
também som e a cores. Outro filme inseparável do sucesso
comercial de soul é o mais recente WALL.e que no ano de 2008 surgiu com uma
mensagem ultra-humana, um paradigma para a sociedade e ao mesmo tempo acessível
a toda a família, os mesmos ingredientes que parece ter agradado aos fãs de
Soul, não tão pessoal como este, mas mais universal.
Na Disney há uma cousa que me apraz dizer
quanto à mensagem transversal: A tirania da realidade uma vez mais destronada
pela imaginação do Homem, fazendo conexão ao filme de arte e não finitamente ao
de entretenimento. Estes
desenhos animados descobrem-se a si próprios e entusiasmam-se a si e aos outros
que assistem. Geralmente na Disney e certamente em SOUL surpreender-vos-á
personagens mais próximos de nós do que o que se está habituado em desenhos
animados. Inclusive surgem personagens humanos tão parecidos connosco apesar de
desenhados que já nos íamos esquecendo de que somos felizmente muito mais
parecidos com eles do que com os atores de cinema. o Gato que aparece em Soul
já não é do tempo em que ele fala, mas do que adotamos em casa e muito mais
engraçado, mostrando que o cinema animado é um lugar de imaginação, mas também
de uma contemplação verossímil com a realidade, criando um mundo fidedigno
pertinente às pessoas, preenchendo um lugar vazio até então tão importante no
escape à realidade que de certa forma ambicionamos.
Walt Disney, sempre procurou receber quem
quer que se juntasse no barco de criatividade que eram os seus filmes,
por exemplo em branca de neve seriam cerca de seiscentos coloristas a dar
vida aos bonecos. Walt Disney sempre procurou aproximar-se da realidade e não
se confundir com ela. A arte é sempre uma transposição da realidade e começa
quando a realidade não é copiada, mas imaginada. Até hoje o cinema com o
recurso á fotografia jamais consegui-o separar-se destas duas realidades: a
copiada e a imaginada. A realidade ou a fotografia da realidade ainda que em
movimento é uma e a mesma coisa, continua a ser necessário transpô-la para
criar arte. Em cinema o seu grande elemento de construção a fotografia é ao
mesmo tempo o seu ponto fraco. Parece paradoxal, mas o maior estorvo para a
representação da realidade é a presença da própria realidade, das duas uma: ou presente ou representada.
Razão tiveram os gregos ao por mascaras nas caras dos atores. As caras são
realidade e esta está simbolizada nas máscaras, o símbolo é realidade
imaginada, é com símbolos que se expressa a arte. E soul é certamente um filme
de arte.
IG02.2021
O Fatalista (2005) de João Botelho.
O Fatalista de João Botelho datado de 2005, produzido por Paulo Branco
com Rogério Samora, Rita Blanco e André Gomes no elenco principal.
Está escrito lá em cima, no céu que cá em baixo na terra acontece, frase repetida várias vezes no filme. Este filme bonito e com alguma sujidade estética - daí alguma beleza – reside nos contrastes das cores quentes dos prados, das tardes solarengas e nas cores frias das hospedarias de outro tempo e de alguns diálogos. Um tipo de contraste muito característico do cinema português dos anos oitenta e noventa, contudo o filme é de 2005. O filme não sendo de esmola, carece de meios para a produção mas não de ideias para a sua concretização. Uma boa ideia e muita ambição em fazer superar a escassez de meios e que se reflecte na produção deste filme de estrada. A constante falta de apoio à produção portuguesa no cinema, arte maior na união soviética ao nível de qualquer crença, fez com que determinadas escolhas no filme, recaíssem no equipamento em desuso ou à procura de uma nova vida, caso do dispositivo cinematográfico, que à época já havia melhor para os padrões de qualidade que nos vão habituando.
O filme segue os protagonistas, patrão e motorista que por vezes se confunde o contrário, numa viagem de teor demagogo e de cariz filosófico, afinal o patrão estava mais interessado
nos amores e desamores do motorista que propriamente no objectivo final da
viagem. A viagem segue em direcção ao destino por vezes impróprio outras vezes
suspeito. O filme sendo do género drama e subgénero comédia está tratado num
registo de filme de estrada, onde personagens entram e saem de cena conforme o
rumo da viagem. Há personagens que ficam para trás e que transmitem saudade,
caso da personagem interpretada por Margarida Vila-Nova que se encontra numa hospedaria e que nua, se deita ao lado de um dos viajantes, não
sabemos quem pois não se vê o rosto. Ora foi um sonho ora realidade mas certo é
que os objectos presentes no plano desmentem o próprio sucedido. Quando
percebemos que os protagonistas estão rodeados de outros tantos personagens,
esquecemos o rumo da viagem e o filme acaba.
Este filme trata muito bem o chamado road movie, mas em português.